segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O construtor de barcos

Jean Menezes de Aguiar, Nikon [Coolpix L19], Vitória, ES

[Impróprio para menores, ou caretas]

Johan era um holandês que construía barcos de madeira, quando esse material não mais era utilizado para a navegação, os modernos preferiam fibra ou aço. Passava longos meses na areia das praias onde era contratado para fazer ou reformar barcos, viajando de país em país, cidade em cidade para atender a clientes. Com a prematura morte da esposa, passou a levar seu filho de 13 anos de idade com ele. Johan tinha as mãos sempre machucadas do trabalho com pregos e lixas. Sua pele era invariavelmente queimada pelo sol e seu cabelo quase branco, por extrema lourice, dava-lhe um colorido muito vivo. Mas Johan amava as mulheres, e para elas dedicava toda a sua concentração, não se preocupando em criar raízes em nenhum lugar, a não ser do único filho Frank. Um dia o filho o surpreendeu quando numa manhã, antes mesmo de se levantar da cama, perguntou, no mesmo quarto da casa de praia que ocupavam num verão europeu:
            - Pai, como são os seus namoros com as mulheres?
                        Johan sorriu meio sonolento, ainda, mas logo se interessou pelo que o filho queria saber e desenvolveu-se o diálogoseguinte.
                        - Como assim, os meus namoros?
                        - Ué, como você namora, como é que ganha as namoradas, o que faz para conseguir elas? De qual você mais gostou? O que mais gosta em uma mulher? Por que os namoros acabam, essas coisas...
                        - Filho, por que quer saber isso?
                        - Porque acho que você tem sucesso com mulheres e eu também quero ter, aí se eu imitar você terei sucesso igual, e eu quero ter muitas namoradas.
                        - É filho, mas isso não é tão direto assim, o fato de eu ter algum sucesso querer dizer que você terá se me imitar. Mesmo assim, eu posso contar as coisas que sei e aprendi. Praticamente tudo o que aprendi na vida de importante foi com as namoradas, errando, acertando, voltando a errar, chorando... As mulheres são as melhores professoras que existem, eu já amei profundamente filho.
                        - Isso eu sei. Pai, você está chorando?
                        - Não, Frank. Só fiquei um pouco emocionado porque lembrei de alguém. Mas já chorei muito por algumas mulheres sim. Chorar por uma mulher é a coisa mais nobre e mais bonita que há. Eu não me arrependo, só me arrependo dos erros que cometi, mas todo mundo erra não é verdade?
                        - Pai, aquela morena de cabelo cumprido foi a namorada que você mais gostou, aquela que tinha uma tatuagem? Ou foi aquela loura bem loura que só andava descalça?
                        - Ah filho, é difícil medir isso.
                        - Ué, não é não, você que não quer responder. Fala aí.
                        - Frank, o amor tem muitos lados. Tem também outras duas que você se esqueceu e que foram importantes. Mas não sei se dá para medir o amor. Consigo medir quanto de madeira tenho que comprar para reformar o fundo do Náutilus, e esse barco está dando o maior trabalho, né? Mas comparar o amor é difícil.
                        - Então fala de umas delas aí pra mim. Acho que ninguém melhor do que você para me contar como é a mulher não é?
                        - Filho, a mulher é a melhor invenção da humanidade. Não há mulher feia, sei lá, ou eu nunca achei, não sei. Toda mulher pode ter uma beleza aqui ou ali. E eu acho que é a gente que cria uma parte da beleza da mulher. Você se lembra da Sylvia, aquela alemã que eu namorei?
                        - Hã hã. Aquela que brigava muito com você.
                        - Pois é, dois amigos meus viviam dizendo que ela era gorda e me sacaneavam. Mas eu simplesmente a amava. Primeiro porque ela me aguentava.
                        - As outras não aguentam?
                        - Não, claro que aguentam, mas a Sylvia parecia uma cama, rs rs rs, quando nós íamos transar era uma loucura, bom demais. Mas o mais importante nela era que ela gostava muito de mim e cuidava muito de mim.
                        - O que mais lhe atrai numa mulher, pai?
                        - Não sei, diversas coisas.
                        - Fala aí, não enrola. Você teve uma brasileira né? Da Amazônia ou não sei de onde?
                        - É, era linda. Quando mordia a boca pra me provocar eu enlouquecia, os cabelos, a altura, tudo nela era de rainha. Ah filho, gosto de pés, mãos, pernas, bunda, rs, gosto de cara e cabelo, e gosto muito da buceta, a buceta é uma coisa linda.
                        - É mesmo pai? Eu nunca vi uma buceta, só na internet. Outro dia a Vivian, filha daquele vizinho lá da Capital disse que ia me mostrar a buceta dela. Mas ela tem 18 anos e me enrolou. Eu fiquei esperando contando horas e nada. Acho que ela sumiu.
                        - Nossa, mas a Vivian é linda. É filho, isso vem naturalmente, não se preocupe. Você é muito bonito, com esse cabelão aí, as meninas vão querer mostrar muito as bucetas pra você. Não precisa se preocupar.
                        - É pai, mas o James já viu e fica me gozando dizendo que eu ainda não vi nenhuma. A que ele viu não tinha nenhum pelo. Eu acho feia assim.
                        - Bem isso é gosto. Eu também gosto das peludas. Sabe a bujarrona do Clipper, da Capital, que você andou comigo? Lembra, quando pegou aquele vento e ficou toda inchada? Pois é, tem umas bucetas assim, lindas, inchadas, parecem uma bujarrona. E os pelos parecem que dão um mistério a elas, além de ajudar no perfume.
                        - Pera aí, pai. Perfume?
                        - Claro, filho, não conseguiram inventar um perfume tão maravilhoso como o que sai da buceta. No dia que conseguirem será proibido, de tão indecente e maravilhoso que é, rs rs.
                        - Sério pai?
                        - Sério filho, rs rs. É o melhor, bom de mais.
                        - Essa eu não podia imaginar.
                        - Bem, a gente sabe que você vê isso aí na internet né? Sexo oral é assim. E não tem o menor problema. Aliás, o que não tem é problema. Mas isso é sexo, sabe? Há coisa melhor que o sexo, muito melhor.
                        - Ué, o James disse que não há.
                        - Pergunte a ele se ele já conheceu o amor, Frank.
                        - Se o sexo deixa ele de pau duro, o amor levará ele pra cama trêmulo, caído, doente, febril.
                        - Ué, mas isso é péssimo, pai!
                        - Isso é a coisa mais linda e deliciosa do mundo, filho.
                        - Isso faz os olhos ficarem assim como os meus, e dá uma dor na garganta que parece que a voz não quer sair. Mas eu tô ficando com fome. Vamos levantar e comer?
                        - Vamos, mas eu quero saber de bucetas, sexo e amor.
                        - Não filho, esquece as bucetas e o sexo. Isso é consequência. Você deve se preocupar com o amor. A mulher precisa ser amada, mimada, cuidada, endeusada. Algumas quando me conhecem acham que eu só quero comê-las, não sabem de nada, não veem o meu coração. Sorte a minha, rs. Aí veem que eu não sou um pedaço de carne e não as trato assim. Sabe que eu já perdi mulher por isso? Ela só queria ser comida, não queria ser amada. Mas eu não mudo. O meu negócio é o amor.
                        - É, sexo deu fome.
                        - Não é sexo, Frank. Presta atenção, porra, é amor. O segredo é o amor. Você não tem que ser o grande comedor, tem que ser o grande amante, amoroso, dedicado, poeta, encantador, denso e delicado, além de profundo e poderoso.
                        - Pai, como é que você sabe isso tudo?
                        - Pô cara, olha a minha idade e a sua. A gente vai vivendo e aprendendo. Não precisa de livro pra isso, mas só de percepção. Tô com fome. Amor sempre me deu fome. Com as mulheres a fome é de sexo, mas é só consequência. Comer comida e comer mulher são as duas melhores coisas do mundo.
                        O café da manhã naquele diz foi diferente. Frank estava tendo sua primeira aula mais profunda sobre as relações, o amor, o sexo, e para sua felicidade com seu maior amigo. Johan não restringia nada no filho, exigia apenas inteligência, não gostava de coisas burras, e Frank já estava acostumado a ter sua inteligência cobrada ao extremo. Seus estudos agora eram pela internet, porque precisava viajar com o pai. Suas notas eram bem altas. Ele já desenhava barcos e pensava em motores de embarcações a ponto de surpreender o pai e colegas construtores. Depois de comerem ele disse:
                        - Pai, podíamos não trabalhar hoje e você tirar o dia para explicar como funciona o negócio aí do amor né? Acho meio estranho isso, amor...
                        - Tudo bem filho. O amor é um sentimento, algo que não solta da gente, fica, até sonhamos com a mulher que amamos. Aquela morena do cabelo cumprido que você falou, é um dos melhores exemplos de amor. Eu implicava muito com ela, reclamava que ela não enfrentava as questões, mas igual ao beijo dela nunca soube de um igual. Uma vez eu contei o beijo dela para o Jörn, lembra dele?
                        - Chato ele né pai?
                        - É, rs, mas ele é bom de mulher, nem sei como, rs. Ele disse que nunca teve uma mulher que o beijasse como eu falei do beijo da morena.
                        - Ué, mas um beijo é tudo igual não é não?
                        - É nada filho, quem dera. Os beijos são muito diferentes. As bocas podem encaixar ou não encaixar. Aí tem o cheiro da boca, o gosto da saliva e os movimentos. É igual à mecânica desse barco aí fora em marcha lenta – tem que funcionar certinho, cada peça para um lugar na hora certa, podendo ser movimentos repetitivos, e tudo muito bem lubrificado. É foda, filho. O beijo é foda.
                        - Então um namoro começa pelo beijo?
                        - Ele pode “acabar” pelo beijo, se você der o beijo que deu toda essa liga, aí o resto será o inferno.
                        -Liga? Então o beijo é uma cola? Tá bom, não precisa fazer essa cara; a parte mais importante do amor é o beijo, então?
- Não, filho. Não tem isso. O amor é uma magia, um sentimento, a falta de querer ver a pessoa, querer passar o seu rosto no rosto da pessoa e respirar junto, contar coisas de carinho no ouvido, ficar namorando assim no carro ou na cama, quieto, como se ambos estivessem sussurrando de carinho um para o outro. O amor é um monte de coisas, filho, mas é bom, apenas é muito bom.
- Pai, eu quero amar. Eu queria fuder, mas agora eu quero amar. O fuder com todo esse amor aí deve ser muito bom não é?
- Bingo! Eu sempre soube que tinha um filho inteligente, rs.
- Pai, vou te contar, a Vivian sumiu porque disse que queria me namorar e eu não soube o que responder.
- Mas ela não tem 18 anos?
- É pai, mas ela quer, esse é o problema, ela já me falou merda. E eu vou encarar, depois dessa aula aqui eu vou.
- Calma Frank, não é assim. Isso não foi aula nenhuma. Estamos só jogando conversa fora. Mas se ela quer, não há problema, ninguém vai se ferir, rs.
- Pai, ela não é mais virgem.
- Ela vai te comer, isso sim, você vai ter que dar conta do recado, rs.
- Quem vai comer sou eu! Mas eu quero ter com ela o que você teve com a morena e com as outras todas juntas.
- Bem filho, é difícil. Ela pode estar querendo alguma coisa rápida com você, não se iluda para não sofrer. Use sempre a inteligência e a sua observação. Pode conversar comigo que te aconselho.
- Ah pai, eu vou pra cima. Ela é linda e vive me chamando pra pegar onda e andar de moto. Mas sempre quer que eu fique na garupa. Já sabe né?
- É, ela está mal intencionada, rs. Tadinho do meu filhinho, vai ser comido, rs.
- Pai eu vou fazer ela se apaixonar por mim.
- Sei lá Frank, pode ser.
O tempo se passou e Frank começou a namorar Vivian. Contra todas as expectativas, ela se apaixonou pelo garoto e eles viveram um grande amor. Ela deu o carinho que ele merecia, além de permitir que o amor fosse o ponto central da relação. O namoro durou longos 5 anos até que ele e o pai tiveram que mudar de país. A distância se incumbiu de serenar o fim da relação.
Frank se tornou um homem adorável, sensível, amoroso, carinhoso e disputado pelas meninas. 
Johan envelheceu ouvindo O tú o ninguna, com Luiz Miguel, todos os dias, às tardes, seu pensamento parecia que saía de si, seus olhos ganhavam uma tristeza ou um cansaço pela própria vida, até que um dia uma das ex-namoradas, a que ele mais amou voltou e pediu para ficar com ele. Esta, ele disse, foi a grande vitória de sua vida. Ele nunca perdeu totalmente o contato com ela, mas a vida se incumbiu de reaproximá-la. Já muito velho Johan veio a falecer à sombra de um coqueiro numa praia, deitado em uma espreguiçadeira.
Certa vez um grande amor do filho, Manuela, perguntou como ele era tão sensível com as mulheres, onde tinha aprendido isso. Seus olhos se encheram de água e ele disse duas palavras: meu pai. Frank casou e teve filhos. O último que se soube dele é que ele dizia estar esperando seus filhos chegaram aos 13 anos para recomeçar o ciclo de contar as histórias de amor para eles, cujo fundamento de tudo tinha sido seu pai.

Um comentário: