domingo, 2 de outubro de 2011

"Ele foi meu último bom amigo", Sartre.

"Ele foi meu último bom amigo"
por Jean Menezes de Aguiar, quarta, 4 de maio de 2011 às 21:51
Albert Camus. Sartre só "soube" que amava o amigo após sua morte. Mas aí já era tarde.


Sartre se fez amigo de Camus, na época da II Gerra. Foram assim de 1944 a 1952, até que se separaram. Cada um cunhou sua teoria e sua Escol, se é que podemos falar assim. Aí e efetivamente aí eles se separaram mesmo. Mas dois grandes homens com tantas teorias e visões de mundo não passariam incólumes pela vida. 


De Sartre ficam uma autêntica Teoria do Engajamento; a frase dita por Camus: "Sartre é um escritor do qual podemos esperar tudo"; a frase "O homem é uma paixão inútil" e tantas mais coisas incontáveis. De Camus, o Estrangeiro como passou a ser conhecido ficaram o "não" à oferta de Beauvoir de treparem; a frase dita em 1939 "O reino das bestas começou"; e o acidente de carro que o matou em 1960, dentre tantas coisas admiráveis. 


Após a ruptura da amizade, biógrafos narram que não houve mais qualquer contato e ambos teorizaram em sentidos opostos. Mas algum tempo depois da morte de Camus, numa entrevista, um verdadeiro Sartre admitia, após tantos anos de separação e total ausência de contato: "Ele foi meu último bom amigo" ("Self-Portrait at Seventy", in Life / Situations, Nova Iork, 1976, p. 107). A frase esconde uma confissão de dor e perda, a frase esconde um arrependimento talvez, desses que se optou por enfrentar após a assunção da tragédia de um parceiro de luta e olhares de vida que se foi por diferenças estruturais de visão de mundo. A perda é sempre mais que dolorosa, é reflexiva. 


Nietzsche dizia que o homem com a perda (sofrimento) ficava "apenas" mais reflexivo. É doloroso ler a amizade de Sartre e Camus e ver essa perda em vida, como é doloroso ver pessoas se perderem também em vida, indo cada um para um lado, amigos, parentes etc. Não há pieguismo na perda verdadeira, mas o esgarçamento da certeza do nunca-mais. 


Não deveríamos perder quem não morreu, mas perdemos, não deveríamos deixar ir, mas deixamos e não deveríamos ir, mas vamos. Essa frase de Sartre incomoda e certamente incomodou a tantos que o idolatraram e tentaram fazer algo por aquela amizade tão emblemática. Os amigos precisam saber que são amigos, ter a consciência de que são amigos e viver essa consciência. Mas amizade é uma coisa efetivamente difícil, rara e muito cara. E a sua perda é dilaceradora. Esta frase de Sartre incomodou e continua a incomodar e incomodará sempre. Ela tinha que deixar de existir e deixar de ter verificabilidade, mas sabemos que não é assim. É uma merda. Infelizmente é. Jean Menezes de Aguiar.

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